top of page

A força dos instintos no carácter da liderança

Quem é que de nós nunca teve aquela sensação de ter feito o que não queria ou devia, numa determinada situação? Tinha inicialmente pensado fazer uma coisa e acabou a fazer outra? O mais adequado seria dizer A e disse B? Para não falar do ter-se esquecido de dizer ou fazer?

Não porque não soubesse o que queria e deveria fazer ou dizer, mas porque, por qualquer razão, no “calor do momento”, optou por outra via.

Há quem identifique como razão principal destes comportamentos, o “estar nervoso”, como se este estado fisiológico conduzisse a uma outra personalidade, diferente de nós próprios. Ou, não estava à espera e preparado para “isto ou aquilo”. Ou, “foi demasiado rápido”, não consegui pensar. Ou,“pois era”, mas “na altura não me saiu”.

A função de “treinador de bancada” pertence claramente à área racional do cérebro, que precisa de tempo e de condições de relativa calma e auto-controlo para pensar e atuar. Mas a função de “jogador no campo”, que executa e decide, em momentos agitados, sob pressão de tempo e de desafio, pertence, indiscutivelmente, aos instintos. Estes são, por excelência, os donos do momento, do improviso, do ajustamento e da reação a cada situação concreta.

Como acontece numa situação de condução de um automóvel, na “condução automática” e  na reação a situações repentinas e inesperadas, se tivermos “reflexos”, como comummente se diz. Muitas vezes, nestas situações, o racional e consciente nem sequer está lá. Está envolvido noutras atividades, por vezes, mesmo noutros momentos do tempo, vagueando pelo passado ou pelo futuro, ou, simplesmente, a circular entre divagações e especulações abstratas.

Numa época, em que a vida tende a acontecer de forma rápida, inesperada, ambígua, mutável e envolta em complexidade, como a que vivemos, os instintos tendem a impor-se. Porque são os mestres do momento.

Como funcionam então os instintos?

Os instintos são o suporte dos comportamentos operacionais e vitais da natureza e cérebro humanos, desenvolvidos ao longo de milhões de anos de experiências e vivências. Por essa razão estão inscritos nos próprios genes, de todo e qualquer ser vivo.

O seu propósito é claro: promover a expansão e a afirmação de cada individuo e do grupo de que faz parte.

Sempre que existem oportunidades ou ameaças no âmbito desse propósito, reais ou percecionadas, os instintos intervêm de forma  clara e incisiva. Sempre que intervêm, tendem a bloquear ou a limitar a atuação das outras áreas do cérebro, como sejam as áreas das emoções e do pensamento racional. O seu propósito justifica, por si só, a sua intervenção imperativa.

Para uma convivência mais amigável com as outras áreas de decisão do cérebro, a área instintiva utiliza pequenos truques, como sejam as sensações de prazer, conforto e desejo, versus, dor, desconforto e repugnância. Noutros casos, manipula e limita o acesso à própria informação (determinando, por exemplo, o foco da atenção ou dando prioridade à informação mais recente), e limita ou expande o funcionamento das outras áreas do cérebro (por exemplo, inibindo a capacidade de pensar e, consequentemente, de decidir de forma “consciente e pensada”).

A personalidade de cada individuo, é, assim, muito o resultado da expressão da sua estrutura de funcionamento e de manifestação instintiva, inscrita nos genes, e, consequentemente, resultado de uma evolução de ajustamento às necessidades de interação com o meio envolvente. Para além dos efeitos das aprendizagens, das experiências de vida e das decisões (racionais e emocionais) pessoais, que, naturalmente, também influenciam e contribuem para moldar a sua expressão.

Podemos observar estes efeitos, como ilustração, no ensino do voar, a uma pequena galinha e a uma pequena águia, ou mesmo, pequeno pardal. Mesmo que a natureza do ensino seja semelhante, a natureza da exploração do aprendido e da execução será muito diferente.

A personalidade, conjuntamente com as características genéticas, determina assim as capacidades específicas e individualizadas, que podemos facilmente observar nas aprendizagens, nos desempenhos e nos comportamentos.

Os instintos tendem a manifestar-se num quadro de referência, em que pautam:

- objetivos específicos (que geram prazer/conforto/desejo ou evitam o contrário), no âmbito do seu propósito maior de expansão e afirmação;

- padrões de referência hormonais e neuronais (quadros de referência físicos e mentais), onde pontuam os hábitos, as rotinas, as ações e os pensamentos repetidos;

- perceções da realidade externa (a realidade de cada um);

- diálogos internos (linguagem, imagens, sons, cheiros, etc).

Uma das grandes “preocupações” dos instintos é a preparação de respostas adequadas do “organismo” aos desafios da realidade, e, por essa razão, está constantemente a fazer previsões do futuro próximo, ou seja, a construir expetativas.

Havendo incerteza associada a essas expetativas, como acontece num ambiente de ambiguidade, mudanças rápidas e incertas, como as que tendemos a viver atualmente, os instintos ficam em tensão e desorientação, e, tendem a gerar respostas frequentes de alerta máximo, naturalmente desajustadas em muitos dos casos.

Os instintos no carácter da liderança

O exercício da liderança pressupõe a existência de poder sobre os liderados. Tradicionalmente, ou seja, em ambientes de relativa estabilidade e previsibilidade, alimentam ou podem alimentar esse poder, a legitimidade da liderança (poder formal), o poder de recompensar e punir, o poder do conhecimento e da experiência, o poder da informação, e, o poder de referência (inteligência, reconhecimento público, desempenhos alcançados, competências de comunicação e de relacionamento, sentido de justiça, princípios morais e éticos, etc).

Quando o contexto é incerto, sofisticado, abrasivo e ambíguo, ou seja, de difícil previsão e de grande exigência, como o atual, os liderados precisam de funcionar de forma mais autónoma, com independência e liberdade de decisão e de atuação. Nestes contextos, a liderança, para ser efetiva, necessita de se apoiar noutro tipo de poderes adicionais, de natureza mais instintiva, onde pontuam competências de “coaching” e competências de “interrelação”.

Explicando melhor… Por competências de “coaching”, entendemos, a capacidade e competências de treino e de desenvolvimento de competências consideradas estratégicas aos desempenhos dos liderados. O ensino, formação e treino associados a determinadas competências é vital. Por outro lado, o líder passa a funcionar também como conselheiro e consultor.

Por competências de “interrelação”, entendemos a capacidade e as competências de leitura rápida e de atuação de influência, também rápida, dos comportamentos e pensamentos dos outros. Onde podemos incluir a leitura da personalidade e comportamentos instintivos, genéticos e emocionais, e, o saber que fazer para influenciar e potenciar positivamente esses comportamentos. A capacidade de auto-controlo, de parar e de avançar, mantendo o nível de resposta instintiva, nas situações de maior exigência, é uma dessas competências.

Como parece ser óbvio, contextos de liderança como os que vimos considerando, exigem liderados com apetência para funcionarem de forma autónoma, com iniciativa e responsabilidade, e, com capacidade de aprendizagem e de recolha e análise de informação.

Quer nos liderados, quer nos líderes, estas competências exigem uma base razoável de capacidades e apetências natas, inscritas na personalidade e na genética de cada um. O carácter da liderança tem assim uma componente eminentemente genética, para além de uma componente aprendida.

Naturalmente que o desenvolvimento e a aprendizagem destas competências é sempre possível, contudo a exploração e o aproveitamento dessas aprendizagens será sempre melhor nuns casos do que noutros.

Carlos Carreira
Gestor de empresas, coacher, formador, investigador
Autor do livro “Para Lá dos Teus Limites”
ccarreira@exodusconsultores.com

© 2017 EXODUS CONSULTORES

bottom of page